terça-feira, 8 de março de 2011

Identidade...


Enviei minha candidatura para participar do II Fórum Nacional de Jovens Descendentes de Imigrantes e da Diáspora Africana organizado pelo Conselho Nacional de Juventude de Portugal. Após o período de seleção aceitaram que eu participasse do evento, foram aproximadamente 20 horas de discussões, debates, troca de informações, network, comparações e muito aprendizado.

Conheci Portugal pelo olhar do outro, do imigrante, que muitas vezes é considerado intruso. Ouvi depoimentos de pessoas surpreendentes, vi sonhos, memórias e muitos jovens com enorme potencial de liderança que podem gerar transformação em diversos locais do mundo.

Porém o que mais me marcou neste evento foi que o mesmo estava em sintonia com tudo aquilo que tenho sentido desde que cheguei a Portugal. É um sentimento simples, uma dúvida na verdade, saber quem eu sou realmente, do que foi constituída a história do meu povo (a verdadeira história) e porque vivemos em uma sociedade ainda muito resistente a tudo o que é diferente. Ou seja, onde está minha identidade?

Cheguei a confessar a colegas africanos, que eles são privilegiados em saber de onde vieram seus antepassados, de conhecerem a verdadeira história do seu povo, de cultuarem a sua língua nativa (como o idioma crioulo e o kimbundu). Naquele momento me sentia em desvantagem histórica e cultural, até ouvir o comentário de um descendente de cabo-verdianos, um jovem sociólogo e também rapper, que se referindo ao meu comentário pontuou que esta identificação com a terra de origem só era positiva quando a mesma não me afastava da terra em que eu vivia. Ou seja, que este sentimento de origem não deveria sobrepujar o sentimento de pertença atual.

Foram dias refletindo sobre isso, aquilo me intrigava de várias maneiras, e aquele conhecimento outrora esquecido voltou a minha mente, e este retorno não foi por acaso, foi ao ler o texto “Histeria do Corpo” de Maria Teresa Cruz que diz que “O corpo é uma invenção, uma figura, uma abstração, composta por um conjunto de atributos, aliás, tão incorporais quanto materiais.“

Pronto! Ficou simples e claro, tratava-se de um corpo que possui atributos, uma história e uma identidade e que não poderia ser visto apenas como corpo, já que estão ali estampados a sua história, sua compreensão do mundo e diversos alicerces de origem subjetiva.

Esta clareza, conclusiva, voltou a ser escurecida, desta vez por um fato curioso. Um grande amigo divulga em uma rede social um vídeo dele e outros jovens brasileiros, todos residentes na Alemanha, tocando e cantando a música “Identidade”, do cantor e compositor Jorge Aragão. O que me deixou intrigado foi que esta letra possuí um tema étnico-social muito forte em defesa dos afrodescendentes brasileiros, a música diz “se preto de alma branca pra você é um exemplo da dignidade, não nos ajuda só nos faz sofrer e nem resgata nossa identidade”. Após a postagem do vídeo, haviam comentários de pessoas dizendo que se sentiam emocionadas ao ouvirem esta música. Emocionavam-se mesmo sem terem motivos étnicos, aparentes, para identificarem-se com esta música e sua mensagem.

É muita pretensão considerar que para ouvir e gostar de mensagens como a presente na música Identidade, nos discursos de Nelson Mandela ou nas mensagens de Steve Biko, são privilégios apenas de pessoas pertencentes aos grupos étnicos que as originou. No caso do meu amigo eu diria que ele teve uma experiência estética positiva com a letra e a melodia da música, algo que para ele talvez tenha sido sublime.

Isso me deixa feliz. Não perdemos nossa identidade por ter contato com informações de outros grupos e realidades, mesmo que historicamente estes atores foram contrários ao nosso ponto de vista.

É também neste paradigma que encontramos o preconceito, pois não encontramos este câncer social apenas em questões de gênero e etnia, ao refletirmos encontraremos diversos casos de pessoas que não lêem Marx, por pertencerem a grupos que não identificam a mensagem marxista como algo positivo ou minimamente interessante. Ou as que não lêem Peter Druker pelo mesmo motivo, neste caso os principios da teoria da administração.

Nas artes os conservadores por opção se afastam das novas tendências contemporâneas, considerando Marina Abromovic e Stelarc como aberrações artísticas. E o contrário também é verdadeiro, já que os modernos e contemporâneos por opção, fogem de tudo o que é clássico, como foge um mateiro do boitatá, ao ponto de considerarem uma ópera como O Elixir do Amor ou um bailado de repertório como Gisele, manifestações artísticas repetitivas e enfadonhas.

Eu não perco a esperança. Luto contra o preconceito de qualquer espécie, pois necessitamos de experiências sensíveis, estéticas e quem sabe sublimes. Para que possamos nos embriagar do bem, ou como disse Baudelaire, “para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto. “

Embriaga-te e quem sabe não encontre a sua verdadeira identidade!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

dança e seu financiamento...reflexões..


Hoje resolvi reativar este blog, onde posso com mais liberdade escrever o que penso sobre o que leio, escuto, vejo, degusto, sinto, em fim, vivo.
Recebi por email um questionamento sobre a dança, uma provocação, um fazer pensar, este era o questionamento:PENSAR A DANÇA ALÉM DOS EDITAIS.
A dança já é pensada para além dos editais começou sem eles e na maioria dos casos acontece sem eles, bastava fazer uma pesquisa que elencasse todas as ações desenvolvidas em dança no Brasil e identificasse quantas são apoiadas por editais públicos ou privados. Tenho a impressão que o resultado seria óbvio, mostrando que uma porção significativa das ações desenvolvidas em dança no país não possui apoio de editais, principalmente daqueles provenientes de leis de incentivo.
Desta forma defendo o ponto de vista da dança ser pensada para além dos editais, mas não abdico do pensamento e tendência da mesma continuar a ser financiada por editais.
Pensar a dança para além dos editais de incentivo é necessário, pois os editais e seus avaliadores não são nossos clientes e nossa arte não é um produto, em meu ponto de vista nem temos clientes, porém, negar os editais como opção de financiamento é demasiada ousadia.
Como vamos buscar a profissionalização, pagar prestadores de serviços, investir em tecnologia, em formação de interpretes, sem recursos e sem financiamento?
Claro que o caminho da sustentabilidade seria o ideal, ou seja, criarmos nossos espetáculo e ter a certeza que teríamos público suficiente para cobrir os custos de produção e pagar o salário dos interpretes e equipe, e ainda sobrar uma porção para investimento. Infelizmente não é tão simples assim, tente fazer o ponto de equilíbrio financeiro de uma grande ou média Cia Brasileira para a produção de apenas 1 espetáculo, ou seja, saber quantos convites (produtos) precisariam ser vendidos para o espetáculo se pagar, ser auto-suficiente, sustentável mesmo correndo riscos. Levando em conta o preço médio de mercado dos convites.
Penso que o resultado da divisão não será animador em grande parte dos casos. Por este e outros motivos é que acredito que os editais são uma ferramenta poderosa para realizar financiamento de nossos projetos, de levar dignidade e respeito a nossa arte.
É inegável que os mesmos precisam ser melhorados, os critérios precisam ser definidos com mais clareza, a periodicidade deles precisa estar pautada em projeto de lei que garantam a sua perenidade, tentando garantir que não venham a transformarem-se mais uma das tantas manobras politiqueiras e eleitorais dos “gestores” públicos, em fim a formatação destes editais precisa ser discutida, avaliada e re-avaliada pela sociedade civil, para que os direitos dos interessados sejam preservados e respeitados. Para que não aconteça o que aconteceu com o Edital Elisabete Anderle em Santa Catarina, apenas uma edição e prêmio pagos muito tempo depois, falta de respeito, ausência de profissionalismo e forte presença de inficácia na gestão.

Pensar a dança, a arte, para além dos editais SIM. Negar os editais como possibilidade real e eficaz de financiamento, NÃO! Repensar o modelo dos editais e seus critérios, NECESSÁRIO!